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Texto de : | Rafael Francisco Marcondes de Moraes |
Data de publicação: 09/03/2009
MORAES, Rafael Francisco Marcondes de. O Poder Normativo das Agências Reguladoras. Disponível em http://www.lfg.com.br. 09 de março de 2009.
1. INTRODUÇÃO
Com a evolução das atividades estatais, direcionadas a atender as necessidades sociais, a Administração Pública procura ampliar e adaptar sua área de atuação e acompanhar o desenvolvimento tecnológico, seja diretamente por meio de seus órgãos, seja mediante entidades da Administração Indireta ou ainda por intermédio de concessões e permissões conferidas a particulares.
As Agências Reguladoras surgem nesse panorama com o intuito principal de exercer o controle, a fiscalização e fixar diretrizes de atuação, sobretudo acerca das atividades das concessionárias e permissionárias, tanto as prestadoras de serviços públicos quanto as exploradoras de atividades econômicas.
2. NATUREZA JURÍDICA
Atualmente essas agências são consideradas autarquias de regime especial em virtude de algumas características a elas atribuídas, que as diferenciam dos demais integrantes da Administração Indireta, havendo maior autonomia em face da Administração Pública, principalmente no tocante ao caráter final de suas decisões, vez que estas não se submetem a revisões por outros entes administrativos.
O referido regime especial das agências compreende um conjunto de privilégios específicos, com vistas à consecução de suas finalidades, dentre os quais se destacam a estabilidade de seus dirigentes (que possuem mandato fixo e maior autonomia política frente à Administração Direta), a ampliação da autonomia financeira (auferem renda mediante outras fontes de arrecadação com liberdade de aplicação) e o poder normativo (que lhes confere competência para regulamentação de matérias a elas destinadas).
Insta destacar a existência de dois tipos de agências reguladoras:
a) As que exercem típico poder de polícia, impondo limitações administrativas com previsão legal, em atividades de fiscalização ou repressão, como é o caso, por exemplo, da Agência Nacional de Saúde Pública Suplementar (ANS) e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
b) As que controlam e regulam as atividades que figuram como objeto de concessão, permissão ou autorização de serviço público ou de exploração de bem público, como é o caso da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e da Agência Nacional do Petróleo (ANP).
3. PODER NORMATIVO
Entende-se por poder normativo aquele conferido à Administração para, mediante "expedição de decretos e regulamentos, oferecer fiel execução à lei" (SPITSCOVSKY, Direito Administrativo, 2005, p. 90).
No que atine às Agências Reguladoras, prevalece que o seu poder normativo deve se limitar à elaboração de regramentos de caráter estritamente técnico e econômico, restritos ao seu campo de atuação, sem invasão das matérias reservadas à lei, sob pena de violação ao princípio da legalidade.
Esse talvez seja o ponto de maior discussão dentre os estudiosos contemporâneos, já que a abrangência do poder conferido às agências pode ser interpretada como abusiva, conforme o entendimento adotado no sentido de consistir ou não determinada matéria reservada à elaboração legislativa ou passível de abordagem direta por meio de meros atos administrativos.
Os questionamentos acerca do poder normativo deferido a essas agências se devem em grande parte à originária influência norte-americana, uma vez que, naquele país (Estados Unidos da América), tais agências possuem considerável liberdade legiferante.
Daí porque leciona Paulo Magalhães da Costa Coelho:
"As agências reguladoras têm inspiração no direito americano, no qual se identificam como qualquer autoridade pública. Lá, têm competência para editar normas jurídicas, como também atos administrativos, se o Estado, por meio do Poder Legislativo, lhes der essa competência" (Manual de Direito Administrativo, p.89).
Como desdobramento dessa posição, parte da doutrina enfatiza abusos temerários a serem perpetrados por esses entes. Assim, adverte Celso Antônio Bandeira de Mello:
"Desgraçadamente, pode-se prever que ditas "agências" certamente exorbitarão de seus poderes. Fundadas na titulação que lhes foi atribuída, irão supor-se - e assim o farão, naturalmente, todos os desavisados - investidas dos mesmos poderes que as "agências" norte-americanas possuem, o que seria descabido em face do Direito Brasileiro, cuja estrutura e índole são radicalmente diversas do Direito norte-americano" (Curso de Direito Administrativo, 13ª ed., p.134).
Cabe também mencionar relevante posição que procura distinguir as expressões "regular" e "regulamentar", trazendo reflexos na delimitação do poder normativo das agências reguladoras.
Segundo a definição dos principais dicionários nacionais, regular significa encaminhar conforme a lei, sujeitar a regras, enquanto que regulamentar seria sujeitar a regulamento, regularizar (Novo Aurélio, Século XXI, 1999, p.1733, Ed. Nova Fronteira e Houaiss, 2001, p. 2418, Ed.Objetiva).
Embora as duas expressões comumente sejam utilizadas como sinônimas, no âmbito jurídico apontam-se distinções, traçando a regulação como termo eminentemente ligado à técnica e à economia, enquanto a regulamentação contemplaria um critério predominantemente político.
Assim, argumenta-se que as Agências Reguladoras só atuariam no campo da regulação, especificando aspectos técnicos e econômicos das normas legais e atos normativos expedidos pelo Poder Executivo, estando impedidas de abordar a regulamentação, que seria exclusiva do Poder Legislativo no seu ofício precípuo de atualizar e inovar o ordenamento ou do Poder Executivo, como Administração Direta, quando da expedição de atos visando fiel execução à legislação, dentro dos limites nela definidos.
Em suma, prevalece que, em princípio, ao Poder Legislativo incumbe a criação das leis (legislar e regulamentar), que serão executadas pelo Poder Executivo, mediante atos administrativos pautados nos limites legais (regulamentar), que por sua vez poderão ser especificados em seus aspectos técnicos e econômicos pelo poder normativo das agências reguladoras (regular).
4. AGÊNCIAS REGULADORAS BRASILEIRAS
Em nítido crescimento nos últimos tempos, a criação de agências reguladoras tem se mostrado como uma tendência no ordenamento jurídico brasileiro, podendo-se destacar algumas de maior relevância atualmente:
Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) - Criada pela Lei Federal nº 9.427/96, vinculada ao Ministério das Minas e Energia, com fundamento no artigo 21, inciso XII, alínea "b" da Constituição Federal, com competência para regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica, devendo atuar nas concessões e permissões pertinentes.
Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) - Criada por intermédio da Lei nº 9.472/97, com vinculação ao Ministério das Telecomunicações e tendo por fundamento o artigo 21, XI da CF, apresenta entre suas competências a regulação e fiscalização da execução do serviços de telecomunicações, devendo atuar nas licitações, contratos e estipulação tarifária, conforme dispõe o artigo 15 de sua lei criadora.
ANP (Agência Nacional do Petróleo) - Criada pela Lei nº 9.478/97, com base no artigo 177, §2º, III da CF, vinculada ao Ministério das Minas e Energia. Traz como competências a regulação e fiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis.
Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) - Ente criado pela Lei nº 9.782/99, vinculado ao Ministério da Saúde, competente para promover a proteção da saúde pública pela fiscalização e controle sanitários da comercialização de produtos e de tecnologias pertinentes. Uma das principais atribuições é a expedição de atos administrativos que complementam as normas penais em branco que tipificam os crimes da Lei Antidrogas (Lei Federal nº 11.343/06), tratando-se atualmente da Portaria nº 344/98, inicialmente editada pelo Ministério da Saúde e posteriormente atualizada por meio de Resoluções da Anvisa (atual Resolução RDC nº 18/2003), definindo as substâncias a serem consideradas como drogas para fins penais.
ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) - Criada pela Lei nº 9.961/00, baseada no artigo 197 da CF, vinculada ao Ministério da Saúde, tendo por competência supervisionar os serviços de saúde, regula as operadoras, inclusive nas suas relações com os consumidores, consoante artigo 3º da lei epigrafada.
ANA (Agência Nacional de Águas) - Criação pela Lei nº 9.984/00, com vínculo ao Ministério do Meio Ambiente e fundamento no artigo 225 da Carta Magna. Competente para implementar a política nacional de proteção e gestão dos recursos hídricos.
Antt (Agência Nacional de Transportes Terrestres) e Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) - Ambas criadas pela Lei nº 10.233/01, vinculadas ao Ministério dos Transportes, com fulcro no artigo 178 da CF. Conforme o artigo 20 da lei, têm competência para regular ou supervisionar a prestação de serviços e exploração da infra-estrutura de transportes terrestres e aquaviários, respectivamente.
Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) - Criada pela Lei nº 11.182/05, vinculada ao Ministério da Defesa, tem como atribuição regular e fiscalizar as atividades de aviação civil e de infra-estrutura aeronáutica e aeroportuária. Colocada em evidência em virtude dos recentes acidentes aéreos ocorridos no Brasil, tem sido bastante criticada e exigida no sentido de adoção de medidas visando melhorar o atendimento nos aeroportos e diminuir efetivamente os riscos de acidentes.
CONCLUSÃO
As agências acima apresentadas desempenham papel de suma importância para a atuação governamental, já que criadas justamente para possibilitar uma melhor prestação administrativa, com maior eficiência e buscando adaptação constante às exigências específicas dos serviços que lhes são cometidos.
Face às ponderações ora lançadas, extrai-se que o poder normativo das agências reguladoras, aplicado dentro dos parâmetros legais e no intuito de assegurar o interesse público, consiste em importante instrumento para evitar ou mesmo reparar eventuais desequilíbrios e irregularidades nas prestações de serviços públicos e de atividades econômicas de interesse coletivo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANGERAMI, Alberto; PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Direito Administrativo Sistematizado. São Paulo: Método, 2008.
COELHO, Paulo Magalhães da Costa. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2004.
HEINEN, Juliano. Agências reguladoras e o seu "poder" de regular (mentar). Jus navigandi, Teresina, ano 8, n. 223, 16.02.2004. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=48221.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2005.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2003.
PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2003.
SPITZCOVSKY, Celso. Direito Administrativo. São Paulo: Damásio de Jesus, 2005.