"A generosidade e a perfeição devem ser suas metas contínuas"

sábado, 27 de agosto de 2011

QUE É O TERCEIRO ESTADO? (A CONSTITUINTE BURGUESA) - RESUMO


A dica desse sábado é o resumo do livro A Constituinte Burguesa, feita por Rafael Cataneo Becker, bem como link para download da versão em espanhol do livro.

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Capítulo I

O Terceiro Estado é uma nação completa

Nação é ‘’um corpo de associados que vivem sob uma lei comum e representados pela mesma legislatura’’. (p.56). Para a subsistência e prosperidade de uma nação, duas coisas são necessárias: trabalhos particulares e funções públicas.

Resumem-se os trabalhos particulares em quatro classes: 1) trabalho no campo, fornecedor de matéria-prima; 2) indústria, que trabalha matéria-prima; 3) comerciantes  e negociantes, que estabelecem relações entre as fases produtivas e entre a produção e o consumo; 4) serviços, desde profissões científicas, liberais, até serviços domésticos. Pelas funções públicas, os quadros de uma nação se completam. São, na época de Sieyès, ajuntadas em quatro: a Espada, a Toga, a Igreja e a Administração.

A nobreza – e o clero – detém o monopólio político. Possui representação própria e fundamentalmente diferenciada, cujos apontamentos se fazem em prol de interesses particulares – de muito poucos – contra o interesse comum. Todos os postos lucrativos e honoríficos são ocupados por privilégio. Diz-se, do privilégio, um direito de classe. Ociosidade infértil, exceção e abuso envolvem cidadãos que, à parte de todo o movimento social, gozam da melhor parte advinda dos esforços, sem em nada contribuir. Conclui-se, pois, em função da manutenção de um aparato político defensor de interesses próprios, do acúmulo de privilégios e honras restritos somente a ela, e do deslocamento no processo produtivo social como em geral, que a nobreza, se chega a formar uma nação, não faz parte, certamente da grande nação.

Todas as atividades particulares além da imensa maioria dos cargos públicos – nos que se acumula trabalho, não regalias – são preenchidos pelo Terceiro Estado. Impugnando-se a ele, a casta nobre comete um crime social em nome de um monopólio que somente faz deteriorar a coisa pública. O afastamento da livre concorrência produz obras mal feitas e de custo mais alto. Assim, o Terceiro Estado tem o que é preciso para ser uma nação completa. Ele é tudo, mas um tudo ‘’entravado e oprimido’’. (p.55).

Capítulo II

O que o Terceiro Estado tem sido até agora?  

Nada

No Antigo Regime, há os Estados Gerais, que representam o reino diante do rei. Três estados o compõe, deliberam separadamente e votam por ordem: o clero, a nobreza e o Terceiro Estado. Essa mais alta organização, como falsa intérprete da vontade geral, detém o poder legislativo. Contudo, não passa ela de uma assembléia clerical, nobiliárquica e judicial. Existe uma tripla aristocracia: da Igreja, da Espada e da Toga. É um erro enorme acreditar que a França submete-se a uma monarquia. Salvo pequenos momentos, sua história pressuposta monárquica se confunde com uma história áulica. É a corte quem define parâmetros administrativos e políticos de como manipular a coisa pública. 

A liberdade não vem por privilégios, mas sim por direitos comuns. Todo privilégio se opõe ao direito comum. ‘’É preciso entender como Terceiro Estado o conjunto dos cidadãos que pertencem à ordem comum’’. (p.58). Em seu seio, todavia, destacam-se novos nobres, terceiro-estadistas que são enobrecidos ou privilegiados a termo – um indivíduo conquista o título e pode transmiti-lo até dada geração –. Aos olhos da lei, de qualquer forma, todos os nobres são iguais e encerram os mesmos privilégios. Deixam os novos nobres, portanto, de engendrar-se ao Terceiro Estado, saindo da ordem comum, quando o problema é que justamente eles é que o representam nos Estados Gerais. ‘’Resumindo, o Terceiro Estado não teve, até agora, verdadeiros representantes nos Estados Gerais. Desse modo, seus direitos políticos são nulos’’. (p.61).


Capítulo III

O que pede o Terceiro Estado?

Ser alguma coisa

Petições foram dirigidas pelas municipalidades ao governo requerendo influência igual à dos privilegiados. Pedem, basicamente, ter representantes oriundos verdadeiramente do Terceiro Estado nos Estados Gerais, igualar o seu número de representantes ao da outras duas ordens juntas e substituir o voto por ordem pelo voto por cabeça.

Tais pedidos, numa visão antecipadora, gerariam uma igualdade deturpada. Pois, ‘’como não temer que as qualidades mais apropriadas à defesa do interesse nacional sejam prostituídas diante dos prejuízos’’ (p.65) e como evitar que os maiores defensores da aristocracia partam ironicamente do próprio Terceiro Estado, de membros prostrados diante de benefícios?

‘’Quanto mais se pensa neste assunto, mais se percebe a insuficiência das três demandas do Terceiro Estado. Mas, enfim, tais como são, foram fortemente atacadas. Examinaremos estas demandas e os pretextos desta hostilidade’’. (p.65).

I. Primeira Petição
       
Que os representantes do Terceiro Estado sejam escolhidos apenas entre os cidadãos que realmente pertençam ao Terceiro Estado.

‘’Não pode haver em gênero algum uma liberdade ou um direito sem limites’’. (p.68). Nesse sentido, e por outro lado, é preciso salvaguardar a liberdade dos comitentes terceiro-estadistas, ‘’e, por isso mesmo, é necessário excluir de sua eleição todos os privilegiados, acostumados por demais a dominar o povo’’. (p.68). No que tange à elegibilidade dos representantes do terceiro estado, a idoneidade deve ser o primeiro item da personalidade e da posição social a ser inferido, de modo a transparecer seu interesse unicamente pela nação, pelo Terceiro Estado. Exclui-se dos elegíveis uma série de categorias: indivíduos de pouca idade, mulheres, vagabundos, estrangeiros e todos aqueles que podem apresentar influência presumida por parte das outras duas ordens dos Estados Gerais, como empregados domésticos, qualquer indivíduo submisso, funcionários administrativos e fazendeiros. Interessante apontar que, dentro do Terceiro Estado, existe um estrato, por assim dizer, significativamente interessante para exercer tal representação com competência. Tratam-se das classes disponíveis, as assim chamadas aquelas cujos homens recebem educação liberal e exercitar a razão. Tais classes têm o mesmo interesse do povo.

II. Segunda Petição

Que seus deputados sejam em número igual ao da nobreza e do clero.

Se forem admitidos princípios reguladores da proporção representativa nos Estados Gerais, tem-se que, por qualquer um deles, seja contribuição em impostos, seja em tamanho de população, o Terceiro Estado toma a dianteira.

III. Terceira Petição

Que os Estados Gerais votem não por ordens, mas por cabeças.

Seria ideal que os representantes pudessem unir-se numa totalidade sob um interesse comum. Mas, não é o que ocorre. Sem o voto por cabeças a França estaria exposta a ‘’desconhecer a verdadeira maioria, o que seria o pior dos inconvenientes, porque a lei seria radicalmente nula’’. (p.75).

Capítulo IV

O que tentaram fazer pelo Terceiro Estado

As propostas do governo e dos privilegiados 

I. Assembléias provinciais

Houve, por parte do governo, uma proposta de formulação das Assembléias Provinciais por critério não pessoal – segundo ordens –, mas sim por critério real, de acordo com a propriedade de cada cidadão. Seria em número de quatro as propriedades: as senhoriais e as ordinárias, sendo as últimas divididas em três: do clero, do campo e da cidade. À exceção da propriedade do clero, as outras três poderiam ter como proprietários homens de qualquer ordem, fossem sacerdotes, plebeus ou nobres.  ‘’Elas eram interessantes devido a seu objeto, e ainda mais importantes pela maneira como se formariam, já que por elas se estabelecia uma verdadeira representação nacional’’. (p.78). Contudo, por fim, vingou a típica divisão por ordens pessoais, ao que, como contraponto, aprovou-se o mesmo número de representantes entre clero e nobreza juntos contra o do Terceiro Estado, o que foi simples enganação, nomeando-se deputados para este entre os privilegiados.

II. Os notáveis

É possibilidade do rei a convocação de um grupo de consultores, os notáveis, para que lhe falem sobre os interesses da nação e do trono. Quando de sua seleção, porém, ao invés de privilegiados ‘’em luzes’’, compareceram privilegiados no sentido corrente do termo. E, assim, ‘’homens muito bem colocados e com possibilidade de ditar a uma grande nação o que é justo, belo e bom, preferem prostituir esta ocasião única por um mísero interesse pessoal’’. (p.80).

III. Os escritores patriotas das ordens privilegiadas

Sieyès é dúbio ao falar sobre o tema. Depois de colocar que o silêncio do Terceiro Estado é fruto amargo de sua verdadeira repressão, diz que não lhe surpreende o fato de que os primeiros defensores de demandas sociais venham das duas primeiras ordens. ‘’Se a nação consegue a liberdade, vai, sem dúvida, conhecer estes autores patriotas das duas primeiras ordens, pois, sendo os primeiros a abjurar velhos erros, preferiram os princípios da justiça social universal às combinações criminosas do interesse pessoal contra o interesse nacional’’. (p.80). Apesar dessa ironia subentendida, coloca mesmo que o ‘’império da razão se estende cada dia mais; exige, cada vez mais, a restituição dos direitos usurpados. Mais cedo ou mais tarde, vai ser preciso que todas as classes se contenham nos limites do contrato social’’. (p.81). 

IV. A promessa da igualdade de impostos

Tradicionalmente, o Terceiro Estado sempre suportou uma carga tributária mais pesada que a da outras ordens, mas a nobreza vai passar a pagar o mesmo. Não por generosidade, mas por dever. E é possível abstrair dessa mudança uma grande ilusão que os privilegiados sustentam nas palavras de que, uma vez abolidas as isenções pecuniárias, tudo estaria igual entre as ordens. Pelo contrário, tal ato demonstra uma tentativa de distrair o Terceiro Estado do que precisa, em verdade, ser feito: a reforma contra sua nulidade política nos Estados Gerais.

V. A proposta intermediária dos amigos comuns dos privilegiados e do ministério

Há uma proposta de tornar a votação dos subsídios e de qualquer matéria referente a impostos realizada pelo procedimento por cabeça. Isso não é suficiente. ‘’Como o voto dos subsídios deve ser a última operação dos Estados Gerais, será preciso que tenham concordado de antemão sobre uma forma geral para todas as deliberações’’. (p.85. Ênfase acrescida).

VI. A proposta de imitação da Constituição Inglesa

Foi dado pelo tempo uma divisão partidária na nobreza. Famílias mais ‘’ilustres’’ almejam o estabelecimento de uma câmara alta, como há na Inglaterra. Por isso seria enviado à câmara dos comuns o restante da nobreza. Isso não é concordável. ‘’Desse modo, se se quiser reunir, na França, as três ordens numa só, deve-se começar pela abolição de qualquer privilégio’’. (p.86).

VII. O espírito de imitação não é adequado para bem nos conduzir

Não é de se surpreender que a França, que recém abriu os olhos ‘’para a luz’’, volte-se para adular uma Constituição vizinha. No entanto, a forma constitucional na Inglaterra é mais uma preocupação contra a desordem que a busca de uma ordem, é incompleta e não deve ser adaptada à França. ‘’Mas, finalmente, por que vemos invejamos a Constituição inglesa? Porque, aparentemente, ela se aproxima dos bons princípios do estado social. Ela é um modelo do belo e do bom para julgar os progressos em qualquer gênero’’. (p.89).

Capítulo V

O que deveria ter sido feito

Os princípios fundamentais

Deve-se partir dos bons princípios e da moral. Na análise das sociedades políticas, formadas por associação legítima, ou seja, voluntária e livre, destacam-se três épocas. Na primeira, um número considerável de indivíduos, pelo jogo de seus interesses individuais, forma uma nação, no caso, também chamada associação. Na segunda, a união toma consistência elevando-se uma idéia de vontade comum e de poder público. A vontade individual está na origem de tudo, mas separada em fragmentos tem poder nulo, do que surge a necessidade da idéia de algo comum. Por fim, na terceira, em decorrência do aumento de indivíduos e de sua dispersão para exercer essa vontade comum, há a confiança da vontade nacional a um governo. Resumindo, a primeira está para a vontade individual, a segunda está para a vontade comum e a terceira está para a vontade comum representativa.

Por vontade comum, Sieyès compreende a noção de maioria. ‘’As vontades individuais são os únicos elementos da vontade comum’’. (p.101). ‘’Se abandonarmos esta evidência – que a vontade comum é a opinião da maioria e não a da minoria – é inútil falar de razão’’. (p.101).

Cabe uma descrição melhor da representatividade da última espécie de sociedade política. Ela tem duas características básicas: competência para atingir o fim que lhe é proposta e impotência para dele se separar, bem como das formas e leis que lhe são designadas. Pois, é ‘’impossível criar um corpo [governo] para um determinado fim sem dar-lhe uma organização, formas e leis próprias para que preencha as funções às quais quisemos destiná-lo. Isso é o que chamamos a constituição desse corpo’’. (p.93).

Antes de tudo, como origem de tudo, está a nação. Acima dela, somente paira o direito natural. Dela emana toda a série de leis positivas. Dentre estas, em primeira linha, estão as leis constitucionais, que se dividem em duas partes: uma referente ao corpo legislativo e outra referente aos demais corpos ativos, em tudo o que concerne à organização e à função dos mesmos corpos.  Leis constitucionais são leis fundamentais, pois jamais derivam ou se alteram do e pelo poder constituído, somente do e pelo poder constituinte. Já na segunda linha de leis positivas, aparecem as que são formadas pelo corpo legislativo sob a égide das condições constitutivas. ‘’Mesmo quando só apresentamos estas últimas leis em segunda linha, elas são as mais importantes, são o fim do que as leis constitucionais são apenas o meio’’. (p.95).

‘’A nação se forma unicamente pelo direito natural. O governo, ao contrário, só se regula pelo direito positivo’’. (p.95). ‘’O poder só exerce um poder real enquanto é constitucional. Só é legal enquanto é fiel às leis que foram impostas. A vontade nacional, ao contrário, só precisa de sua realidade para ser sempre legal: ela é a origem de toda legalidade. Não só a nação não está submetida a uma Constituição, como ela não pode estar, ela não deve estar, o que equivale a dizer que ela não está’’. (p.95). Frente a uma Constituição, o interesse geral não pode se alienar o direito de mudá-la, sobretudo deve se fazer valer e adequá-la tanto que necessário se lhe apresentar: ‘’uma nação é independente de qualquer formalização positiva, basta que sua vontade apareça para que todo direito político cesse, como se estivesse diante da fonte e do mestre supremo de todo o direito positivo’’. (p.96). ‘’Qualquer que seja a forma que a nação quiser, basta que ela queira; todas as formas são boas, e sua vontade é sempre a lei suprema’’. (p.96).

Uma nação pode ter dois tipos de representantes. Os ordinários se limitam ao que é definido constitucionalmente. Já os extraordinários, não. Formando assembléia, compõem poder constituinte. Tal poder deve ter em conta que é uma comissão de uma nação e, portanto, deve respeitar e buscar tudo quanto for matéria de vontade comum. Tendo isso por base, delibera e regulamenta uma Constituição.

O impulso constitucional é essencial à ordem social, a qual não seria completa sem regras de conduta suficientes para abarcar e resolver todo e qualquer caso. Como, nesse sentido, consultar a nação para eventuais alterações constitucionais? Por intermédio de um método incorporativo que se inicia na formação de pequenas circunscrições que formariam províncias que, por sua vez, enviariam à metrópole os verdadeiros representantes extraordinários com poder constituinte, despidos de qualquer ordem social. E quem poderia convocar a nação para uma consulta desse gênero? Isso é, na verdade, dever de todos, podendo partir do legislativo, ou do executivo ou de qualquer outra fonte.

Retomando a situação da França no período, os Estados Gerais são poder constituído e, como tal, não podem fazer alterações constitucionais. Isso sem falar na discussão entre o comportar ou não comportar a nação francesa uma Constituição. Alguns dizem que sim, outros afirmam que não. O que deveria ter sido feito, pergunta do capítulo, é simplesmente a convocação da nação para o envio de representantes extraordinários para uma reformulação – ou criação – constitucional. E é importante saber disso para saber o que pode ser feito no futuro.

Além de tudo, é interessante colocar que, para Sieyès, as nações entre si estão em estado de natureza.

Capítulo VI

O que falta fazer

A execução dos princípios

Soerguendo o Terceiro Estado estão a razão, a justiça, seus conhecimentos e sua coragem. Omitir-se à restauração nacional significaria ser condizente com a perpetuação dos privilégios. ‘’Antigamente, o Terceiro Estado era servo, a ordem nobre era tudo. Hoje, o Terceiro Estado é tudo, a nobreza não passa de uma palavra’’. (p.108).

Para a aquisição de seus direitos políticos – e eles são essenciais por resguardarem os direitos civis e da liberdade individual –, o Terceiro Estado pode se valer de dois meios. Pelo primeiro, seria formada uma assembléia nacional, em detrimento dos Estados Gerais. Como se admite a existência de três ordens, conclui-se que, delas, não pode concorrer uma única nação, uma única vontade e uma única representação. ‘’É evidente que os deputados do clero e da nobreza não são representantes da nação; são, pois, incompetentes para votar por ela’’. (p.110). Nos Estados Gerais, no voto por ordem haveria claramente a possibilidade de veto dos anseios do Terceiro Estado, enquanto que, no voto por cabeças, as vontades de duzentas mil cabeças poderão contrabalançar a vontade de vinte e cinco milhões. ‘’Tudo isso já é suficiente para demonstrar o direito que tem o Terceiro Estado de formar sozinho uma Assembléia Nacional, e para autorizar por força da razão e da equidade, a sua pretensão legítima de deliberar e de votar por toda a nação, sem exceção’’. (p.11). Já pelo segundo meio de conquistar seus direitos, o Terceiro Estado suspenderia o exercício de seu poder até a nação julgar a divisão das três ordens e os rumos adequados para dar término à dissensão e outros problemas.  

Capítulo VII

A Assembléia Nacional

Três espécies de interesse há no coração dos homens: 1) interesse comum; 2) interesse do corpo – corporativo, associado sempre à conotação negativa da aristocracia –; 3) interesse pessoal. Por sua vez, a Assembléia Nacional, como instrumento erigido por representantes da nação, deverá em tudo buscar comprometimento com o que é de interesse comum. Deve banir as corporações e se abster dos interesses pessoais. Derivará, por conseguinte, dela, uma série de direitos comuns de que são banidos todos os privilégios. ‘’Entendo por privilegiado todo homem que sai do direito comum, porque não pretende estar completamente submetido à lei comum, ou porque pretende direitos exclusivos’’. (p.119). Privilegiados não podem ser nem eleitores nem elegíveis, constatando-se ‘’que o direito de fazer-se representar só pertence aos cidadãos por causa das qualidades que lhes são comuns e não devido àquelas que os diferenciam’’. (p.118). Ademais, o corpo de representantes deve ser renovado em um terço todo ano.

Importantíssimo ressaltar que, toda vantagem acumulada por um cidadão, seja em propriedade, seja em indústria, contanto que não atinja a lei, deve ser protegida.

Crítica

A vontade comum, em Sieyès, antítese do pensamento de Rousseau, além de ser a soma das vontades individuais, assume majoritariamente um compromisso de, precisamente, resguardá-las. ‘’As pessoas se dizem: ao abrigo da segurança comum, poderei me entregar tranquilamente a meus projetos pessoais, irei atrás da minha felicidade como quiser, certo de só encontrar como limites legais aqueles que a sociedade me prescreve pelo interesse comum em que tomo parte e com o qual meu interesse particular fez uma aliança tão útil’’. (p.115).  Proteção máxima a tudo que é de pecuniário é explícita: ‘’Tudo o que pertence aos cidadãos, repito, mais uma vez, vantagens comuns, vantagens particulares, contanto que não atinjam a lei, tem direito à proteção’’. (p.119).

Ao defender o plano das Assembléias Provinciais, apóia a idéia de divisão real – fundada na propriedade – contra a divisão pessoal – seguindo ordens -: ‘’Elas [Assembléias] eram interessantes devido a seu objeto, e ainda mais importantes pela maneira como se formariam, já que por elas se estabelecia uma verdadeira representação nacional’’. (p.78).  

Durante a apresentação da primeira petição do Terceiro Estado, em matéria de representação política, Sieyès aponta um estrato do mesmo especialmente interessante no que poderia vir a servir para sua representação efetiva. Tratam-se das classes disponíveis cujos homens recebem educação liberal e exercitam a razão, tendo o mesmo interesse do povo.

Ora, por seu apoio à soma das vontades individuais, sua preservação e seu acúmulo de vantagens – em tudo que não fira as leis de todos –; pela manifesta preferência da divisão real – atentando-se ao termo utilizado, ‘’real’’ – em vez da divisão pessoal; e pela referência às classes disponíveis, claramente um grupo já seleto no seio do próprio Terceiro Estado; conferem as proposições de Sieyès, na figura de um autor nacionalista, não passar de uma enorme maquiagem. Revestido de uma pretensão de interesses, direitos e representação comuns baseado nos quais ataca veementemente a aristocracia e o clero, seu discurso revela-se, ao final, como uma grande apologia ao liberalismo e ao fortalecimento e emancipação não do Terceiro Estado como um todo orgânico, mas sim de uma proto-burguesia que viria, após a Revolução Francesa, a utilizar-se da política e da economia como instrumentos de exploração, causando, ironicamente, uma situação se não pior, da mesma proporção em danos sociais em comparação ao famigerado sistema feudal.

*Acadêmico de Direito na UFSC

BECKER, Rafael. A Constituinte Burguesa - Sieyès. Portal Jurídico Investidura, Florianópolis/SC, 21 Mai. 2008. Disponível em: www.investidura.com.br/biblioteca-juridica/resumos/teoria-constitucional/46. Acesso em: 23 Ago. 2011

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

DIREITO DO TRABALHO: MANDADO DE INJUNÇÃO ACERCA DO AVISO PRÉVIO PROPORCIONAL (ART. 7º, XXI - CF/88)

A dica de hoje vai em homenagem às minhas amigas concurseiras do ramo do direito do trabalho e para minha irmã: Tais Lopes, Nathi Malta e Raquel Andrade. Com fé em Deus, futuras MPT ou Juízas do Trabalho!

Vou comentar um trecho do Informativo do STF de nº 632 que, em Mandados de Injunção julgados conjuntamente (MI 943, 1010, 1074 e 1090), tratou do tempo do aviso prévio previsto no art. 7º, XXI, da Constituição Federal.

A importância desses Mandados de Injunção não se restringe apenas à seara trabalhista, vez que aponta para um nova mudança de posicionamento do STF no que pertine a efetividade dos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal.

Antes de adentrar nos fatos que serviram de base para a discussão por parte dos Ministros, importante, em breve síntese, firmar o conceito de mandado de injunção, bem como sua evolução histórica, e também do aviso prévio.

Aviso Prévio

Prevê o art. 7, XXI, da Constituição Federal que: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: ... XXI - aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei;”

Mas afinal, o que é o aviso prévio? Basicamente o aviso prévio é uma garantia que as partes do contrato possuem no intuito de evitar surpresas decorrentes da abrupta ruptura do contrato de trabalho.

Para o empregador, tem como principal função evitar que, de um dia para o outro, o empregado, sem justa causa, rescinda o contrato, ficando a atividade prejudicada.  Imagine se um chef de cozinha resolve encerrar a relação de trabalho no dia de uma grande recepção em um restaurante. Neste caso, no momento do cálculo das verbas rescisórias, será descontado o valor do aviso prévio, salários correspondentes ao prazo respectivo.

Para o empregado, tem como principal objetivo disponibilizar o tempo que a CLT julga necessário para que ele busque outro posto no mercado de trabalho, no caso de dispensa sem justa causa. Assim, o empregador concede o aviso prévio e o trabalhador terá duas opções: (i) ter sua carga horário reduzida em duas horas durante o período de um mês ou; (ii) faltar ao serviço por sete dias seguidos, caso em que não terá direito a redução das duas horas.

Caso o empregador não conceda o aviso prévio, deverá dá ao empregado o direito aos salários correspondentes ao prazo do aviso, garantida sempre a integração desse período no seu tempo de serviço.
Eis os dispositivos da CLT que tratam do assunto:

Art. 487 - Não havendo prazo estipulado, a parte que, sem justo motivo, quiser rescindir o contrato deverá avisar a outra da sua resolução com a antecedência mínima de:
§ 1º - A falta do aviso prévio por parte do empregador dá ao empregado o direito aos salários correspondentes ao prazo do aviso, garantida sempre a integração desse período no seu tempo de serviço.
§ 2º - A falta de aviso prévio por parte do empregado dá ao empregador o direito de descontar os salários correspondentes ao prazo respectivo.
Art. 488 - O horário normal de trabalho do empregado, durante o prazo do aviso, e se a rescisão tiver sido promovida pelo empregador, será reduzido de 2 (duas) horas diárias, sem prejuízo do salário integral.
Parágrafo único - É facultado ao empregado trabalhar sem a redução das 2 (duas) horas diárias previstas neste artigo, caso em que poderá faltar ao serviço, sem prejuízo do salário integral, por 1 (um) dia, na hipótese do inciso l, e por 7 (sete) dias corridos, na hipótese do inciso lI do art. 487 desta Consolidação.

Destaco a existência de outras peculiaridades e discussões acerca do aviso prévio. Todavia, para o presente post não é necessário se aprofundar no assunto.

Mandado de Injunção

Prevê o art. 5º, LXXI da Constituição Federal que: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania;”

O que este remédio constitucional visa?

Visa a efetivação dos direitos fundamentais previstos da Constituição Federal, quando os seus titulares não puderem deles gozar em razão da inércia Estatal, seja do Poder Judiciário, Executivo e Legislativo, mas principalmente destes dois últimos. Ele cura a síndrome da inefetividade das normas constitucionais.

Um detalhe: o mandado de injunção apenas serve como instrumento de concretização de normas de eficácia limitada, pois as normas constitucionais de eficácia plena e de eficácia contida já surtem seus principais efeitos. Insere no âmbito da máxima efetividade das normas constitucionais.

O exemplo clássico de concurso é: greve do servidor público, já que não existe, ainda, lei regulamentadora. Nas próximas provas começará a despontar o caso da aposentadoria especial do servidor público portador de necessidades especiais e daqueles sujeitos a atividades insalubres e perigosas.

Abrindo um parêntese. Existe Proposta de Súmula Vinculante nº 45 com a seguinte redação: Enquanto inexistente a disciplina específica sobre aposentadoria especial do servidor público, nos termos do artigo 40, § 4º da Constituição Federal, com a redação da Emenda Constitucional n. 47/2005, impõe-se a adoção daquela própria aos trabalhadores em geral (artigo 57, § 1º da Lei n. 8.213/91).

Estabelecido para que serve o mandado de injunção e citado alguns exemplos, muito importante destacar a evolução do posicionamento do STF, que vai de uma passividade até, o que muitos autores chamam, de “ativismo judicial”. Ou seja, da posição não concretista à posição concretista geral, conforme o quadro a seguir.




Quadro com base nas lições do Prof. Pedro Lenza.  (Direito Constitucional Esquematizado, 13ª ed., Editora Saraiva

Estabelecidas estas premissas, vamos analisar o caso posto a apreciação do STF, relativo ao aviso prévio.

A norma constitucional (art. 7º, XXI) que estabelece o direito ao aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, de no mínimo trinta dias, trata-se de norma constitucional de eficácia limitada (precisa de complementação para surtir seus principais efeitos).

Ocorre que, apesar de limitada, o constituinte estabeleceu que, até que fosse regulada por lei a matéria, seria o aviso prévio de no mínimo trinta dias. Muito em razão disso, o Poder Executivo e o Poder Legislativo se mantiveram inertes, deixando de concretizar a parte da norma constitucional que determina que seja o aviso prévio proporcional ao tempo de serviço.

Desta forma, o empregado que trabalhou durante, por exemplo, um ano em uma empresa, atualmente possui o mesmo direito de trinta dias de aviso prévio do que aquele empregado que laborou por mais 5, 10, 15 anos em uma empresa. Observação importante: norma coletiva pode aumentar o tempo do aviso prévio.

Questiona-se:

Isto é justo? O princípio da igualdade está sendo respeitado? O direito fundamental ao aviso prévio está sendo plenamente exercido pelos empregados?

E a resposta do STF foi negativa. Em razão da inércia por parte do Presidente da República e Congresso Nacional em não editar tal lei, o Plenário do STF, em concesso, decidiu por reconhecer o direito dos impetrantes. Todavia, suspendeu o julgamento, a fim de verificar de qual forma poderia tal direito ser exercido, já que não existe uma norma que sirva de parâmetro dentro do ordenamento jurídico brasileiro.

E, neste ponto, reside a próxima evolução jurisprudêncial do STF no que pertine o Mandado de Injunção: da simples declaração de inércia dos Poderes Executivos e Legislativos, o STF passará a editar uma norma temporária que será válida de forma erga omnes. Ou seja, se transformará em um legislador positivo.

E a suspensão ocorreu para que os Ministros possam analisar qual a melhor forma para que isto ocorra, sendo ponderadas as seguintes possibilidades:
  • Voto vencido do Min. Carlos Velloso, que construíra solução provisória fixando-o em “10 dias por ano de serviço ou fração superior a 6 meses, observado o mínimo de 30 dias”.
  • Uso do direito comparado como método de hetero-integração o direito comparado e citou como exemplos legislações da Alemanha, Dinamarca, Itália, Suíça, Bélgica, Argentina e outras. Apontou, ainda, uma recomendação da Organização Internacional do Trabalho – OIT sobre a extinção da relação trabalhista.
  • Aviso prévio de 10 dias — respeitado o piso de 30 dias — por ano de serviço transcorrido.
  • Um salário mínimo a cada 5 anos de serviço.
Para encerrar, o mais importante é que a nova postura do STF perante este caso certamente irá nortear as futuras decisões em sede de Mandado de Injunção, quando inexistir qualquer norma que sirva de parâmetro para suprir a lacuna legislativa. Mesmo porque, como enfatizou o Min. Gilmar Mendes, a “mudança jurisprudencial referente ao mandado de injunção não poderia retroceder”.

OBS: Caso encontrem algum erro, não deixem de comentar. Possuindo alguma dica de memorização, sintam-se à vontade para compartilhar!

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

DIREITO AMBIENTAL - LICENCIAMENTO AMBIENTAL E ESTUDO PRÉVIO DE IMPACTO AMBIENTAL

Revisando Direito Ambiental hoje resolvi postar um esquema básico do procedimento de licenciamento ambiental e estudo prévio de impacto ambiental. É simples, mas acredito que possa ajudar.


Trata-se de um procedimento administrativo em que o órgão ambiental competente licencia a localização, instração, ampliação e operação de empreendimento e atividades que utilizam recursos ambientais e que afiguram como efetivo ou potencialmente poluidores ou ainda os que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental.

O licenciamento ambiental é o instrumento preventido da política nacional do meio ambiente, previsto constitucionalmente e na lei (art. 10). É através do licenciamento ambiental que se compatibiliza as atividades econômicas com a preservação do meio ambiental.

  • Art. 10 - A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento de órgão estadual competente, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA, e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, em caráter supletivo, sem prejuízo de outras licenças exigíveis.
Licença Prévia – não pode ser superior a 05 anos
O primeiro passo é conseguir uma certidão do Município no que tange a localização do empreendimento.(art. 10, §1º da Res. 273/97)

  • § 1º - No procedimento de licenciamento ambiental deverá constar, obrigatoriamente, a certidão da Prefeitura Municipal, declarando que o local e o tipo de empreendimento ou atividade estão em conformidade com a legislação aplicável ao uso e ocupação do solo e, quando for o caso, a autorização para supressão de vegetação e a outorga para o uso da água, emitidas pelos órgãos competentes.
1)      Aprova a localização do empreendimento;
2)      Atesta a viabilidade ambiental do projeto.


Evidencia, assim, que o projeto é viável ambientalmente.
Licença de Instalação – não pode ser superior a 06 anos
O empreendimento ganha materialidade. Realiza-se a construção, edificação.
Licença de Operação – mínimo de 04 anos e máximo de 10 anos
Necessario o cumprimento das condicionantes previstas nas licenças anteriores. Aqui o funcionamento do projeto pode ser iniciado.
Qual o prazo do procedimento?
O órgão ambiental tem, em regra, 06 meses para a análise da licença. Porém, se houver o EPIA/RIMA, o prazo é de 01 ano.

O que fazer quando a licença de operação está para vencer?
Necessário pedir a renovação com antecedência mínima de 120 dias antes de expirar a licença de operação. Caso o órgão não analise neste tempo, ela prorroga-se até a análise do órgão ambiental.
PROCEDIMENTO – ART 10 – RES. 237
Res. 237/97 - Art. 10 - O procedimento de licenciamento ambiental obedecerá às seguintes etapas:
I - Definição pelo órgão ambiental competente, com a participação do empreendedor, dos documentos, projetos e estudos ambientais, necessários ao início do processo de licenciamento correspondente à licença a ser requerida;
O órgão ambiental irá emitr um TERMO DE REFERÊNCIA, roterio que o requerente deverá seguir.
II - Requerimento da licença ambiental pelo empreendedor, acompanhado dos documentos, projetos e estudos ambientais pertinentes, dando-se a devida publicidade;
Publica-se um extrato do requerimento.
III - Análise pelo órgão ambiental competente, integrante do SISNAMA , dos documentos, projetos e estudos ambientais apresentados e a realização de vistorias técnicas, quando necessárias;
O órgão ambiental faz as devidas análise e, se necessário, vistorias técnicas.
IV - Solicitação de esclarecimentos e complementações pelo órgão ambiental competente, integrante do SISNAMA, uma única vez, em decorrência da análise dos documentos, projetos e estudos ambientais apresentados, quando couber, podendo haver a reiteração da mesma solicitação caso os esclarecimentos e complementações não tenham sido satisfatórios;
O órgão pode pedir complementação ou esclarecimentos ao empreendedor. Nesse período o prazo para cumprimento da análise fica suspenso.
O prazo para complementação ou esclarecimento é de 04 meses, podendo ser negociado com o órgão ambiental.
V - Audiência pública, quando couber, de acordo com a regulamentação pertinente;
A audiência pública não é obrigatória. Somente pode ocorrer quando houver o EPIA/RIMA, ou seja, significativo impacto ambiental.
LEGITIMADOS:
·         ÓRGÃO AMBIENTAL
·         MINISTÉRIO PÚBLICO
·         ENTIDADE DA SOCIEDADE CIVIL
·         50 OU MAIS CIDADÃOS
Uma vez solicitada, torna-se requisito formal essencial.
VII - Emissão de parecer técnico conclusivo e, quando couber, parecer jurídico;

VIII - Deferimento ou indeferimento do pedido de licença, dando-se a devida publicidade.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL - EMENTATIO LIBELLI - MUTATIO LIBELLI


Nesta segunda-feira (22/08/2011), o STJ publicou a notícia a seguir transcrita, a respeito da manutenção do trancamento de ação penal contra mãe e filha acusadas de tentativa de homicídio.

Carol, uma amiga da família, me questionou a respeito da possibilidade do juiz desclassificar a tipificação feita pelo Ministério Público e julgar com base no crime de lesões corporais.

Aproveitei a notícia para publicar a resposta que enviei a Carol e mais uma dica, referente as diferenças entre a ementatio libelli e a mutatio libelli

DECISÃO

Mantido trancamento de ação contra mãe e filha acusadas de tentativa de homicídio

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve decisão que trancou ação penal instaurada contra mãe e filha pela suposta prática do crime de tentativa de homicídio. Os ministros, de forma unânime, não acolheram o pedido do Ministério Público do Estado do Mato Grosso, que pretendia a reforma da decisão. 
De acordo com a denúncia, mãe e filha teriam assumido o risco de matar a nova companheira de seu ex-marido e pai. Elas teriam invadido uma clínica, na qual a vítima se encontrava imobilizada em uma maca para a realização de tratamento estético. Narra a denúncia que a ex-mulher começou a agredir a vítima, mas foi impedida por três funcionários. 
Em seguida, a filha jogou a vítima na parede e deu-lhe diversos socos, o que ocasionou uma fratura no nariz. Conforme o Ministério Público, as acusadas “agiram com dolo direto e eventual, assumindo o risco de matar A. K, pois têm o conhecimento de seu estado patológico, que propicia a ocorrência de embolia pulmonar, assentindo e desejando o resultado morte”.
Contra a denúncia, a defesa das acusadas impetrou habeas corpus no Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), que concedeu a ordem para trancar a ação penal, sob o fundamento de que não estaria presente no caso o dolo direto ou eventual de praticar o homicídio. 
No STJ, o Ministério Público afirmou que, “ao contrário do que restou decidido pelo tribunal local, a denúncia traz de forma clara os indícios da autoria e certeza quanto à materialidade do delito atribuído às recorridas. A vítima sofre de uma doença grave e, conforme restou provado, as agressões poderiam tê-la levado a óbito. As recorridas, mesmo tendo o conhecimento acerca da doença da vítima, assumiram o risco, agredindo-a, caracterizando, portanto, o dolo eventual descrito na denúncia”. 
Em seu voto, a relatora, ministra Laurita Vaz, destacou que o habeas corpus somente permite o trancamento da ação penal quando, excepcionalmente, evidenciar-se, de forma inequívoca, a inocência do acusado, a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou a ausência de justa causa. “É o caso”, assinalou. 
Segundo a ministra, as acusadas agrediram a vítima, que é a nova companheira do ex-marido, com tapas, socos e empurrões em uma clínica de estética, com inúmeras testemunhas, evidenciando o dolo de lesionar. 
“No entanto”, explicou a ministra relatora, “o Ministério Público Estadual ofertou denúncia contra as acusadas, imputando a conduta de tentativa de homicídio pelo fato de a vítima ser portadora de uma alteração genética denominada Fator V de Leiden, que pode ocasionar uma hipercoabilidade ou uma trombose. Assim, observa-se que a peça acusatória divergiu da intenção e vontade de lesionar demonstradas pelas denunciadas”.
Assim, a ministra Laurita Vaz afirmou que não há como considerar típica a suposta tentativa de homicídio que foi imputada às acusadas, pela ausência de justa causa para a ação penal, o que não impede o Ministério Público de oferecer nova denúncia pelas condutas efetivamente praticadas. 
Coordenadoria de Editoria e Imprensa 

A notícia refere-se ao processo: REsp 1183603

Carolz! Li a notícia novamente e pesquisei em uns livros aqui o que pode ter acontecido. O Acórdão ainda não está disponível, mas acho que o aconteceu foi o seguinte.

1) O MP ofereceu denúncia contra a ex-esposa e filha por TENTATIVA de homicídio contra a atual companheira do ex-marido e pai. Segundo consta na notícia ela estava imobilizada numa clínica médica para tratamento estético. Ocorre que a atual companheira sofre de uma doença grave e as lesões, segundo o MP/MT, poderiam levar a morte.

2) Recebida a denúncia pelo Juiz, o advogado das rés impetrou HC junto ao TJ/MT para trancar a ação penal. O objetivo desse HC é interromper uma ação penal infundada, evitando que o réu sofra o constrangimento de um processo penal que, ao final, não levará a nada, como destacou a Ministra relatoria Laurita Vaz:

"Em seu voto, a relatora, ministra Laurita Vaz, destacou que o habeas corpus somente permite o trancamento da ação penal quando, excepcionalmente, evidenciar-se, de forma inequívoca, a inocência do acusado, a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou a ausência de justa causa. “É o caso”, assinalou."

3) Na interpretação do advogado de defesa, do TJ/MT e do STJ não havia justa causa para a ação penal, pois seria impossível a titpicação de tentativa de homicídio, já que não era e nem restou comprovado que as acusadas sabiam da condição de saúde da vítica. Ou seja, o dolo foi apenas de lesionar, não de matar. Seguindo essa interpretação, em caso de óbito, seria um crime preterdoloso e não doloso (dolo eventual)

4) Importante destacar que o MP­/MT poderá ajuizar uma nova ação penal com base nas condutas efetivamente ocorridas, conforme destacou a Min. Laurita Vaz.

Agora a dúvida a respeito da possibilidade do juiz desclassificar e julgar como lesão.

Acredito que nesse caso, ele poderia fazer isso no momento da pronúncia (vez que trata-se de crime doloso contra a vida de competência do Tribunal do Juri). Este instituto é o da “ementatio libelli”, previsto no art. 383 do CPC (O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave.), pois o fato (as agressões) continuaria sendo o mesmo.

Ocorrendo a desclassificação no momento de proferir a decisão de pronúncia, deverá o juiz remeter os autos ao juízo competente (juiz singular). Todavia, caso esta declassificação ocorra quando iniciado o julgamento, a competência para julgamento será do próprio Juiz Presidente.

Isso não ocorreu acredito que por um motivo. Por ser tão descabida a tipificação feita pelo MP/MT, as rés sequer precisariam esperar uma eventual “ementatio libelli”, sendo descabido, inclusive todo o rito procedimental do Juri. Vai que o Juiz não desclassifica e no julgamento o Conselho de Sentença (formado por leigos) julga procedente? Acredito que elas não poderiam correr este risco, daí mais uma justificativa para o HC.

Detalhe. Importante não confundir com a “mutatio libelli”, prevista no art. 384 (Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definição jurídica do fato, em conseqüência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação, o Ministério Público deverá aditar a denúncia ou queixa, no prazo de 5 (cinco) dias, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública, reduzindo-se a termo o aditamento, quando feito oralmente.), na qual, após a instrução, percebe-se que os fatos são distintos, devendo o Ministério Público aditar a denúncia, sendo oferecido novo prazo de defesa.

Demais disso, não é possível a “mutatio libelli” se o processo já chegou ao Tribunal. 

Mais uma observação: a verificação da emendatio e mutatio é muito casuística, sendo necessário, por vezes, se debruçar no conjunto probatório existem nos autos.

A seguir, um quadro com resumo destes institutos.

EMENDATIO LIBELLI (ART. 383)
MUTATIO LIBELLI (ART. 384)
É necessária uma correlação entre a denúncia e a sentença. Pode haver mudança? Depende! O réu se defende dos fatos descritos e não da qualificação jurídica. A grande diferença entre os dois é se o fato está descrito ou não na denúncia.
FATO ESTÁ DESCRITO
FATO NÃO ESTÁ DESCRITO
JUIZ PODE CONDENAR COM PENA MAIS GRAVE, SEM ADITAR E SEM OUVIR NINGUÉM.
PRECISA DE ADITAMENTO DO MP.
TANTO NO 1º COMO NO 2º GRAU
SÓ EM PRIMEIRO GRAU (SÚMULA 453/STF)
AP PÚBLICA / APP PRIVADA
APP PÚBLICA / APP PRIVADA SUBS. DA PÚBLICA

MUTATIO LIBELLI
ADITA (5D + 3 TEST) → DEFESA (5D + 3 TEST) → JUIZ RECEBE → AIDJ

O ADITAMENTO PODE SER PROVOCADO PELO JUIZ OU SERÁ DE OFÍCIO?

Duas posições.

1)                  Não pode partir do juiz, por violação ao sistema acusatório.
2)                  O juiz pode determinar a emenda por força do §1º do art. 384 do CPP. (majoritário).

OBS: Caso encontrem algum erro, não deixem de comentar. Possuindo alguma dica de memorização, sintam-se à vontade para compartilhar!

terça-feira, 23 de agosto de 2011

PRINCÍPIOS E DIREITO DO CONSUMIDOR - PROGRAMA APOSTILA

A dica de hoje é a aula do Prof. Fabricio Bolzan (primeira parte) ministrada no programa Apostila da Tv Justiça. Abaixo, algumas anotações sobre o tema.



OBS: Para visualizar o restante da aula acessar o YouTube.

CONSUMIDOR
·        
        Padrão/Negocial

Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
DOUTRINA – CONSUMIDOR SEGUNDO AS CONCEPÇÕES...
JURÍDICA
POLÍTICA
PSICOLÓGIA
ECONÔMICA
Na doutrina predomina a posição econômica. Apesar disso a concepção jurídica também é importante.

Caracterísitcas da condição do consumidor

1)       Posição de destinatário final na relação. A aquisição serve para suprir uma necessidade do adquirente. O sujeito destinatário final não transforma e não comercializa os produtos e os serviços. O consumidor intermediário não recebe tutela do direito do consumidor. (pacífico)
2)       Não-profissionalidade. (condição polêmica)
3)       Vulnerabilidade. (pacífico – resulta da análise do próprio sistema – art. 4º, I)

Em razão da concepção econômica, ocorre a dificuldade de interpretação da condição de destinatário final prevista no art. 2º do CDC, surgeindo três teorias explicativas sobre o tema.

TEORIA MAXIMALISTA
OBJETIVA
TEORIA FINALISTA
SUBJETIVA / TELEOLÓGICA
TEORIA MISTA
HÍBRIDA / FINALISMO APROFUNDADO
Basta a condição econômica de destinatário final para a caracterização da posição de consumidor. De acordo com essa teoria até uma instituição financeira que adquire produtos poderia ser considerado como consumidor.
O consumidor é o destinatário final não-econômico. A aquisição do produto ou serviço não é destinada a uma atividade profissional (empresarial).
O consumidor tutelado pelo CDC é o destinatário final vulnerável. Apresanta um traço de fragilidade.
STJ – posição maximalista é marcante até 2003. Atualmente deixa de ser a orientação dominante.
Atenção: RESP 1010834/GO (1ª seção) – “ainda que não seja destinatário final” – precendente isolado
STJ - Atualmente, a 2º Seção tem a consolidação da posição finalista.
Leading case:
·         REsp. 541.867/BA
Marcante até o ano de 2008. Posição recentemente confirmada no Inf. 456.
Esta corrente surge no Resp. 1080.719/MG de 2009.

·         Por equiparação – situações específicas que o CDC pode ser aplicado.

COLETIVIDADE
VÍTIMA DO EVENTO
PESSOAS EXPOSTAS
Art. 2º. Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.
Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.
Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.
A coletividade é assim tratada, determinada ou indeterminada. Isto garante a proteção difusa do consumidor, possibilitando a atuação marcante do MP.
Pessoa que sofre um acidente de consumo, muito embora não tenha realizado a aquisição do mesmo.
Ex: caso TAM.
São as pessoas expostas às práticas comerciais
Ex: publicidade
Enseja também a atuação do MP.

FORNECEDOR
O fornecedor pode ser qualquer pessoa física, pessoa jurídica e, inclusive, os entes despersonalizadas, que desenvolve atividade econômica de circulação de produtos ou serviços no mercado de consumo.

Atividade econômica
Ato econômico
Complexo de atos
Ato isolado
Forma habitual e profissional
Não habitual Sem profissionalismo
Aplicação do CDC
Aplicaçãdo do CC

ATENÇÃO: O CONCEITO DE FORNECEDOR NÃO SE CONFUNDE COM O DE EMPRESÁRIO. ESTE ÚLTIMO É MAIS 
RESTRITO QUE O PRIMEIRO, POIS A ATIVIDADE EMPRESARIAL DEVE SER ECONÔMICA E ORGANIZADA. DESSA FORMA, SE AUTORIZA A INSERÇÃO DO ENTE DESPERSONALIZADO E DO PODER PÚBLICO.

ATENÇÃO: A EXPRESSÃO FORNECEDOR É UM GÊNERO, COMPORTANDO DIVERSAS ESPÉCIES.

PRODUTOS

Trata-se de um conceito residutal. Sua caracterização independe de qualquer intervenção de natureza industrial. Ex: produto in natura.
A forma de aquisição dos produtos é irrelevante para a sua caracterização.

Classificação

NATUREZA E FINALIDADE
DURÁVEIS
NÃO DURÁVEIS
Pressupõe o uso constante durante um uso prolongado, não há depreciação econômica intensa e continua no mercado de consumo.
O inverso.

ATENÇÃO: A CLASSIFICAÇÃO DO CDC NÃO POSSUIR QUALQUER RELAÇÃO COM AS CLASSIFICAÇÕES DO CÓDIGO CIVIL.

SERVIÇO

Atividade remunerada desenvolvida pelo fornecedor no mercado de consumo, exceto relação de emprego. A remuneração pode ser feita de forma direta ou indireta. Ela parece gratuita, quando não é (ex: estacionamento em mercados e shoppings). O custo do serviço é diluido entre os lojistas.